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domingo, 18 de março de 2012

Deficiente tem que reaprender a seduzir, diz psicólogo

Um simples mergulho numa piscina e a vida de Fabiano Puhlmann, 40, mudou completamente. Quando tinha 18 anos, o psicólogo quebrou o pescoço, o que o tornou paraplégico. A sua experiência serviu-lhe de estímulo para ajudar outras pessoas deficientes a encarar sua condição e a não se intimidar com ela. Até mesmo quando o assunto é sexo.

Puhlmann, que é autor do livro "A Revolução Sexual sobre Rodas" (Ed. Nome da Rosa), conta ser freqüente as pessoas verem um deficiente com uma mulher bonita e logo pensarem: "Ou é compaixão ou ele é rico. Não se imagina que eles [os deficientes] tenham uma vida sexual legal".
Membro da Sociedade Brasileira de Sexologia Humana, Puhlmann diz, com jeito alegre e sorriso tranqüilo, que o deficiente físico precisa romper, antes de tudo, com o próprio preconceito e redescobrir que é capaz de seduzir.

"Se o deficiente acha que não tem nenhum poder de sedução ou que a cadeira de rodas é um peso enorme, as pessoas sempre vão vê-lo no papel de amigo. Aí fica difícil para a pessoa que não tem deficiência se envolver."

Leia a seguir trechos da entrevista concedida pelo psicólogo à Folha:

Folha - No filme "Carne Trêmula" (1997), do diretor Pedro Almodóvar, um personagem, que é cadeirante (anda de cadeira de rodas), é traído pela mulher com um homem "normal". É essa a imagem que as pessoas têm, em geral, dos portadores de deficiência?
Fabiano Puhlmann -
Quando você fica deficiente é [essa imagem]. Eu sou deficiente há mais de 20 anos. Como eu já fui andante, sei bem o que o "normal" pensa. O deficiente é olhado de maneira diferente, como alguém que precisa de cuidados. Um homem doente com uma mulher bonita. "O que ela está fazendo com ele?". As pessoas pensam: "Ou é compaixão ou ele é rico". Não se imagina que eles tenham uma vida sexual legal. Hoje, 15% da população tem algum tipo de deficiência [motora, sensorial ou mental].


Folha - Qual é a auto-imagem de uma pessoa deficiente?
Puhlmann
- Quando alguém adquire uma deficiência, está com o imaginário de uma pessoa que não é deficiente. A pessoa não se acha deficiente, acha que aquilo vai passar. A pessoa mesmo tem preconceito. Quando se rompe essa barreira, se consegue ensinar o outro. Ensinar a si próprio primeiro e depois ensinar o outro. Mas, logo num primeiro momento, essa relação é carregada de preconceito. A sociedade trouxe isso para ela.


Folha - Como o deficiente lida com isso?
Puhlmann
- O deficiente aprende em todas as situações que vive que ele tem de ensinar [aos outros]. À medida que ele conversa, as pessoas vão percebendo que não há nada de mais, que podem falar com ele, podem até brincar com o fato da deficiência, se a pessoa dá esse espaço. A dificuldade está em entender que isso pode acontecer com qualquer pessoa.

Sempre fica a pergunta: como foi lhe acontecer isso? Uma cliente minha, deficiente desde pequena, estava grávida. Ela pegou um táxi e o taxista disse para ela: Quem foi que lhe fez isso? Como se ela tivesse sido estuprada e não tivesse escolhido a gravidez como todo mundo. Como se a mulher deficiente não tivesse sexualidade e não fosse fértil.


Folha - E para quem já nasce com uma deficiência?
Puhlmann -
Quem cresce com deficiência, às vezes, nem se vê como portador de deficiência, não enxerga o preconceito. A pessoa cresceu com aquele mimo, aquela superproteção, é ingênua, não tem malícia e acaba até tendo dificuldades na área da sexualidade.

Folha - Como fazer "renascer" essa sexualidade?
Puhlmann
- Um dos aspectos mais importantes da sexualidade é a sedução. Como se seduz alguém? É como um felino com sua caça, focaliza-se o outro sabendo das fragilidades e potencialidades.
Quando se seduz, o que se deseja é uma troca afetiva, mas você precisa saber quais são as suas forças. Se alguém acha que não tem força nenhuma, nenhum poder de sedução porque é deficiente, se a cadeira de rodas é um peso enorme, o outro sempre vai vê-lo no papel de amigo. É difícil para a pessoa que não tem deficiência se envolver, é um horizonte novo. Ela tem ansiedades, medo, resistências. Se o deficiente sabe disso, ele consegue facilitar para o outro. Se ele consegue se relacionar no meio social, se sai, se tem amigos, a chance de ele conseguir ter uma parceria é muito grande.


Folha - Quais são os caminhos para redescobrir o corpo?
Puhlmann
- Pensando em uma pessoa que ficou deficiente, é preciso redescobrir o corpo como um todo. Há várias formas. A principal é se tocar de novo, ver as áreas sensíveis, erógenas. Explorar a sensibilidade como um todo.
Imagine uma pessoa que sentia seu corpo inteiro e de repente pára de sentir. Também é preciso usar recursos para flexibilizar os valores porque é preciso inverter o jeito que se via as coisas.
Se o deficiente é muito "quadrado", é preciso torná-lo mais maleável, por exemplo, com cursos de dança inclusiva, nos quais as pessoas são tocadas, desenvolvem a sensibilidade, ou com a ida a sex shops. O deficiente vai a uma loja dessas e vê o que as pessoas compram, como brinquedos de masturbação, camisinhas com extensão de pênis. Isso faz com que ele comece a ver o sexo de forma mais solta, com mais humor.


Folha - Quais são as causas dos problemas sexuais, tanto dos homens como das mulheres?
Puhlmann -
Pode-se dizer que, em 80% dos casos, temos um misto de causas biopsicossociais. Para quase todas as causas físicas, hoje existe tratamento. Nos homens, o maior problema é a cabeça. Para as mulheres que tiveram lesão na medula, a vida sexual é normal, o que falta é mais informação sobre contracepção.

As reclamações em relação aos homens são iguaizinhas às de uma mulher normal. É impressionante como essas pessoas têm conseguido viver. O que sobrava antes para elas? O prostíbulo, para os homens. Para as mulheres, nem isso.


Folha - Existem centros especializados para atender essa demanda?
Puhlmann -
A AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) faz isso. Há também os centros de reabilitação do Hospital das Clínicas, do Hospital São Paulo, e as clínicas particulares. Eu gosto da idéia de que qualquer ginecologista e urologista possa atender essas pessoas, mas esses especialistas têm que garantir o acesso a essas pessoas -por exemplo, um médico que ofereça o seu cartão em braile.

Fonte: Folha/2004

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